terça-feira, 19 de junho de 2012

Cidades cidades, utopias à parte: Cidade Industrial

A separação das diferentes funções da cidade: trabalho, habitação, tráfego e recreação. Um espaço próprio para cada uma, de modo que uma futura expansão de qualquer uma delas não implicasse a alteração das outras. As disposições geográficas utilizadas com tal finalidade.

Longos blocos residenciais, com suas áreas verdes, planejados de modo a formar unidades de vizinhança, com suas próprias escolas e todos os equipamentos necessários. Medidas iguais, exatas. Os projetos para cada edifício compreendendo todos os detalhes construtivos e estudos para disposição de móveis. Todos os detalhes no desenho. O principal material? O concreto armado.


Tony Garnier

Tony Garnier foi um arquiteto e urbanista francês nascido em 1969, na cidade de  Lyon. Cresceu em um bairro de operários radicais e permaneceu ligado à causa socialista até sua morte em 1948. Sua formação e sua carreira profissional estão intrinsecamente ligadas à sua cidade. Quando Garnier nasceu, Lyon era um dos mais progressistas centros fabris da França e seu crescimento foi estimulado por uma das primeiras ligações ferroviárias francesas. A influência desse ambiente em que Garnier nasceu, mais tarde se destacaria em seu projeto para a Citté Industrielle apresentado em 1904 pela primeira vez. Ao entrar na École des Beaux-Arts em Lyon e depois em Paris, ele passou a ser influenciado também por Julien Guadet  que como professor de teoria, ensinava não só o Racionalismo clássico, mas também análise de programas e classificação de edifícios.

Garnier conquistou o Prix de Rome em 1899 e passou mais quatro anos na Academia Francesa de Villa Medici. Em 1892, deixou-se envolver mais  pelo clima radical de Paris, presidido por Jean Jaurès, deputado socialista em 1893, e continuou a desenvolver seu projeto urbano ao longo de sua permanência.

Desde 1904, data da apresentação da primeira versão da Citté Industrielle, até 1939, Garnier dedicou-se exclusivamente à cidade, contratado pelo prefeito Édouard Herriot.

Citté Industriale


A proposta era, sobretudo de uma cidade socialista sem muros ou propriedade privada, onde todas as áreas não construídas eram parques públicos. O plano linear de Garnier separava as zonas: existiria o agrupamento racional da indústria, da administração e das residências, além da exclusão dos pátios internos e estreitos, criando uma quantidade suficiente de espaços verdes na cidade. Além dessas características no planejamento urbano, havia também o uso do novo material, o concreto armado, que era a potencialidade estética do século XX.
A Cidade Industrial de Tony Garnier foi criada em 1901 e exposta em 1904, esse projeto de planejamento urbano era a planificação do que deveria ser uma cidade moderna. Projetada para 35000 habitantes, a cidade industrial antecipava alguns princípios da Carta de Atenas do CIAM de 1933.

“Construída sobre uma escarpadura do rio, numa paisagem montanhosa que, em termos gerais, correspondia à de Lyon, a cidade industrial de Garnier, com 35.000 de habitantes, não era apenas um centro regional de tamanho médio, sensivelmente relacionado com seu entorno, mas também uma organização urbana que antecipava, com seu zoneamento, os princípios da Carta de Atenas dos CIAM de 1933.” (FRAMPTON, 2008)


“Uma cidade industrial tem como princípios diretores a análise e a separação das funções urbanas, a exaltação dos espaços verdes que desempenham o papel de elementos isoladores, a utilização sistemática dos materiais novos, em particular do concreto armado.” (CHOAY, 1979)




Para o estudo da cidade industrial foi escolhida a região Sudeste da França. Essa área foi determinada depois de concluído que ela era bem localizada e teria suas necessidades sanadas por soluções próximas. Alguns fatores que levaram a essa escolha foram: a presença de matéria-prima, a força natural que pode ser usado pelo homem (um leito da torrente represado) e a comodidade dos meios de transporte devido a uma estrada de ferro próxima à área.

Para dispor as construções na cidade buscou-se levar em conta as necessidades materiais e morais do indivíduo, então se criou regulamentos para manter a qualidade de vida humana. As divisões da casa deveriam corresponder aos regulamentos e cada habitação deveria dar acesso para a construção localizada atrás, criando um passeio público que permitiria o acesso em qualquer sentido desejado dentro da cidade.

“Garnier havia dado um grande passo adiante ao tratar toda uma cidade sem se perder numa infinidade de detalhes, como muitos de seus contemporâneos. Seus projetos para casas, escolas, estações ferroviárias e hospitais também representaram um grande avanço.” (GIEDION, 2004)
Plano da cidade industrial


[zona+fabroilç+industrial+(www-anxo-org-artisgos-142000).jpg]
Zona Industrial
“Queremos dizer que cada construção deve deixar, na parte não construída de seu lote, uma passagem livre que vai da rua à construção situada atrás. Essa disposição permite que se atravesse a cidade em qualquer sentido, sem ser preciso passar pelas ruas; o solo da cidade, visto que em conjunto, é como um grande parque, sem nenhum muro divisório limitando os terrenos” (CHOAY, 1979)
  
Nas residências, os dormitórios deveriam ter pelo menos uma janela grande orientada para o sul, para entrada dos raios solares; os pátios sem iluminação e ventilação natural eram proibidos; as paredes internas das casas e o chão eram de materiais lisos e formavam ângulos arredondados.

[bairro+de+vivendas+na+cidade+industrial+www-anxo-org-artigos-140200.jpg]
Zona Residencial
Os terrenos para a construção das casas dos bairros residenciais eram inicialmente divididos em 150 metros no sentido leste-oeste e de 30 metros no sentido norte-sul, dividindo em lotes de 15 por 15 metros, sempre com um lado voltado para a rua, podendo cada habitação ocupar quantos lotes fossem necessários. A superfície construída não deveria ultrapassar a metade da superfície total do terreno, e com o restante seria feito um jardim publico utilizado pelos pedestres.
[planta+residencia.jpg]
Planta de uma residência
No centro da cidade havia um amplo espaço para os estabelecimentos públicos, que formavam três grupos: I, II e III, que são respectivamente, de serviços administrativos e sala de assembléia, de coleções e de estabelecimentos esportivos e espetáculos. Os grupos II e III ficavam em um parque limitado ao norte pela rua principal e o grupo I ao sul, limitado por um terraço ajardinado. O grupo I é formado por salas para ouvir o que ocorrem nas seções parlamentares, para conferências, reuniões para sindicatos e grupos diversos. Todas estas salas têm acesso através de um grande pórtico que forma uma galeria coberta, no centro da cidade, onde se pode circular dentro e serve de abrigo para dia de chuvas.

Ao sul do pórtico há uma torre com um relógio, que é visível pela cidade toda, indicando seu ponto central. Para os setores administrativos, como cartório, tribunal de justiça, escritórios, laboratórios de análises, arquivos administrativos, serviços de organização do trabalho, hotéis, restaurantes são distribuídos em prédios e mais ao sul, na rua principal ficam o correio, telégrafos e telefones. O grupo II corresponde às coleções históricas: arqueológica, artísticas, industrial o comercial. O grupo III possui a sala de espetáculo, apresentação ao ar livre, ginásios, casa de banhos, quadras, pistas.

As escolas primárias ficavam espalhadas pelos bairros, na extremidade nordeste ficam as escolas secundárias, com cursos de administração e comércio, existe também as escolas profissionais artísticas, com arquitetura, pintura; e as profissionais industriais, com cursos de industria metalúrgica e preparação de seda.
[zona+de+educaçao.jpg]
Escola Profissional

Os estabelecimentos sanitários, como hospital, setor helioterápico, setor de doenças contagiosas, inválidos, ficavam situados na montanha, ao norte, protegidos dos ventos frios. A administração cuida dos serviços de esgoto, lixo, água, fornecimento de energia, matadouros, serviços de fabricação de farinha e pão, armazéns de produtos farmacêuticos e lácteos.
[estaçaoda+cidade.jpg]
Estação Central da Cidade Industrial


Considere-se utopia, ou não, a Cidade Industrial nos revela sua presença nos dias atuais. Seja para causar uma visão boa ou ruim, seus conceitos resistem nas mais variadas formas de cidades. E a partir de então, compreendemos que as cidades são constantes, a partir do momento em que nós as permitimos mudar.

“A principal fábrica está localizada na planície, na confluência da torrente e do rio. Uma estrada de ferro passa entre a fábrica e a cidade, que está em um planalto, e ainda mais acima estão os estabelecimentos sanitários.“ Cada um desses elementos principais (fábrica, cidade e estabelecimentos para enfermos) está isolado de modo que se passa dispor de superfície livre em caso de necessidade, o que permitiu que continuássemos com o estudo até um ponto de vista mais geral.” ( CHOAY, 1979)

 “As utopias não são muitas vezes mais que verdades prematuras” (Lamartine) “(…)E é isso que dá aos nossos sonhos a ousadia: eles podem ser realizados.” (Le Corbusier)
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger... 
Referências:

CHOAY, F. O urbanismo: utopias e realidades, uma antologia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1979.

FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Por Jéssica Rossone

Busca

    Visualizações da página

    Translate