quarta-feira, 27 de março de 2013

Bens Culturais - O caso da Pastelaria Mexicana de Juiz de Fora



Semana passada falamos sobre os bens culturais materiais e imateriais, seus valores e como devemos preservá-los. Juiz de Fora é repleta de bens como esses, hoje iremos analisar um caso emblemático: a pastelaria Mexicana.

Sua história começa na década de 50, quando o senhor José Victor Furtado, hoje falecido, começou a vender pastéis após sair do trabalho na Companhia Têxtil Ferreira Guimarães, onde trabalhava, em feiras, escolas e nas ruas da cidade de Barbacena. Vendia mais de 100 pasteis por dia em um tabuleiro, sendo 20 de cada sabor; sr.Victor dizia que saia às 13:30 da fábrica e chegava a vender vários tabuleiros, com uma receita criada por ele mesmo. Seu jeito único com sotaque castelhano, um sombreiro e um bigode postiço o renderam o apelido de Mexicano, de onde surgiu o nome da pastelaria. O seu modo de tratar as pessoas chamando de “Artista”, rendendo a ele tal apelido, permanece até hoje entre os funcionários e clientes fixos. 

Com o crescimento dos negócios em Barbacena, sr. Victor largou o emprego e comprou um pequeno trailer, alavancando ainda mais o negócio, chegando a levar o trailer para outras cidades como Cabo Frio e Niterói. 

Sr.Victor explica a excentricidade característica da Mexicana ao dizer que “acabava que eu vendia muito mais pelo jeito com que eu anunciava o pastel.”

Em Juiz de fora, a pastelaria Mexicana existe desde 1976, inicialmente funcionava na Av. Rio Branco, próximo ao Esporte Clube mas o local não era muito favorável então se mudou para próximo à Santa Casa, também na Rio Branco, mas por ser muito diferente, um caminhão colorido em meio à avenida, havia um desconforto, por isso acabou tendo que se mudar de novo, indo para a Avenida Presidente Itamar Franco no cruzamento com a Av. Rio Branco, onde funciona desde 1978. 

A pastelaria é uma "lanchonete rolante”, como sugere o próprio letreiro, funciona em uma instalação feita em um caminhão, que é levado para o local todos os dias e atende o público das 16:30hs até enquanto há material para produzir os pasteis, que não passa de 1:00h. Quando o caminhão chega ao destino, guardas de trânsito param momentaneamente o fluxo das Avenidas Rio Branco e Itamar Franco para que o caminhão entre em sua posição. O local é uma instalação própria adaptada especialmente para o caminhão, há uma elevação com degraus para deixar os clientes na altura do trailer e durante o dia a baia fica vaga.


A localização da pastelaria no centro da cidade, em um cruzamento entre as principais artérias da cidade, influencia muito o seu movimento. No seu entorno há o banco HSBC, um pequeno mercado, padaria, açougue, alguns pontos de comércio e um colégio que funciona como faculdade a noite. O local possui um grande fluxo tanto de veículos quanto de pedestres durante todo o dia até mais a noite. Além disso, existe um ponto de ônibus próximo, aumentando ainda mais a circulação de pessoas.

No local onde se situa o caminhão, existe um espaço para o seu estacionamento. Há um cenário de motivo mexicano que além de manter a temática do caminhão, destaca o local fora do horário de funcionamento e marca sua presença, dando a ideia de que algo diferente acontece ali. O local e a própria pastelaria se destacam do entorno pelas cores de suas pinturas.

O fato de ser um estabelecimento diferente dos tradicionais faz com que as pessoas se interessem em desfrutar algo novo e mais descontraído, além do mais, o pastel ali produzido e vendido possui uma qualidade inerente: seu tamanho é em média duas vezes maior do que os de outras pastelarias. O objetivo da Mexicana é atrair todos os tipos de clientes. O cardápio e o tamanho dos pastéis varia em grande escala. Fora o diferencial do atendimento e do ambiente. “A população de Juiz de Fora já nos adotou e acolheu.” declara uma das donas.

A pastelaria é um dos pontos mais descontraídos da cidade, possui sua própria identidade e se mantém viva e atualizada até os dias de hoje. Atrai diferentes tipos de pessoas e com diversas idades. Foge da forma tradicional de ocupação do comércio das cidades e da intenção da busca exagerada de sofisticação. Supre a necessidade de uma refeição rápida dos juiz-foranos após o trabalho do dia-a-dia.

O cenário faz com que o local além de funcionar como ponto de referência, se destaque no meio de uma avenida movimentada e por isso, mesmo quando passamos de carro, o olhar se direciona para o local. A pintura personalizada de uma mulher mexicana foi modificada após ter se mantida muitos anos com a pintura original, o que trouxe uma certa estranheza por alguns clientes antigos. Segundo um deles, ainda que a pintura nova seja “bonita”, a antiga era característica e já estavam acostumados.

O funcionamento se dá diretamente através da janela lateral do caminhão/lanchonete. Não possui mobiliário para as pessoas sentarem, a não ser pela mureta ao lado do local, o que reforça ainda mais a idéia de fast food, sem permanências prolongadas.



Fora aplicado um questionário com perguntas à respeito das percepções dos clientes. De acordo com o resultado, foi possível perceber que ainda que a maioria dos usuários entrevistados só consome o pastel eventualmente ou raramente, o local tem muita importância, pois mesmo que a pastelaria não tenha sido utilizada, a lanchonete itinerante ainda é, para esses usuários, um marco importante da cidade. A imagem em si é muito marcante e a peculiaridade faz com que esteja presente na memória das pessoas, mas talvez não seja tão icônica isoladamente, já que muitas pessoas associam automaticamente a imagem do local ao pastel e sabe-se que algo só passa a fazer parte de fato de sua memória quando é vivenciado. 

O local em que funciona a pastelaria hoje em dia foi fundamental para que obtivesse sucesso, em detrimento dos demais lugares, em Juiz de Fora, pelos quais passou. Contudo, a combinação dos pastéis, com o atendimento, do local e do caminhão teve uma apropriação muito grande pela população juizforana em geral, de modo que estes fatores isoladamente talvez não se tornassem tão marcantes na memória coletiva local, mas juntos eles ajudam a caracterizar um fato urbano importante para a identificação da população de Juiz de Fora. 

Analisando os dados coletados, a entrevista com uma das proprietárias e as respostas ao questionário, pode-se concluir que há uma inegável importância, apropriação, vivência e memória por parte da população em relação à lanchonete rolante, envolvendo todas as suas peculiaridades: o pastel, o atendimento, o local e o caminhão. Dessa forma, podemos considerá-la tanto um bem material quanto um bem imaterial, sendo o pastel (o “saber fazer” detido somente pela família) o bem imaterial proposto, e o caminhão em sítio um bem material móvel. Tendo a pastelaria um forte caráter dinâmico, não caberia um processo de tombamento, pois, obrigatoriamente, acarretaria a modificação dessa essência. No entanto, reconhecendo seu valor e significado intrínseco à cidade de Juiz de Fora, é possível prever, hipoteticamente, a abertura de um processo de registro tornando a pastelaria Mexicana, o primeiro bem, que ao mesmo tempo é material e imaterial registrado de Juiz de Fora, e, portanto, protegido legalmente.


Agradecimento aos alunos Luiza Leite, Mayara Carvalho e Rodrigo Pontes do 7º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.

Por Vitor Wilson.

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